quinta-feira, 5 de março de 2009

“KARL POPPER e THOMAS KUHN: reflexões..." por Francisco Ramos Neves


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NEVES, Francisco Ramos. “KARL POPPER e THOMAS KUHN: reflexões acerca da epistemologia contemporânea I” Natal (Rio Grande do Norte): Faculdade Natalense para o Desenvolvimento do RN - FARN, Revista Eletrônica, v.2, n.l, y 143 – 148, jul./dez. 2002.
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Resumo
O presente ensaio representa uma contribuição à reflexão sobre a problemática da Epistemologia Contemporânea. O objetivo não é o de exaurir o argumento sobre o tema proposto, mas o de suscitar o debate acadêmico e expor alguns fragmentos da obra de dois grandes clássicos da Filosofia da Ciência, Popper e Khun.
Palavras-chave: Filosofia da Ciência, Epistemologia, Metodologia da Científica.
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Abstract
The present essay is a contribution to a reflection on Contemporary Epistemology. The objective is not to exhaust the arguments on the proposed theme, but to stimulate academia discussion and to expose some fragments of the works of two great classics in Science Philosophy, Popper and Kuhn.
Key words: Science philosophy, epistemology
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1 INTRODUÇÃO
O presente texto tem como objetivo traçar uma comparação entre os paradigmas da filosofia da ciência de Karl Popper e Thomas Kuhn. Dividimos o texto em três partes: a primeira refere-se à posição de Karl Popper, que concebe uma idéia de ciência submetida ao princípio da refutabilidade para provar sua validade; a segunda parte aborda os aspectos referentes à posição de Thomas Kuhn, que estabelece as condições paradigmáticas para a validade de uma teoria científica e aponta os momentos da prova de tal teoria como critério de sua qualificação, até ser superada por outro paradigma que responda às anomalias colocadas pela crise da ciência existente; por fim, a terceira parte estabelece uma conclusão do tema realizando a relação comparativa entre as duas tendências, evidenciando proximidades e rupturas.
A forma de elaborar dois capítulos distintos, com a posição dos dois filósofos da ciência contemporânea, propõe suscitar a comparação entre as duas teses a partir da exposição das suas idéias, o que pode ser construído com a participação do próprio leitor que terá acesso à discussão.
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2 O IDEAL DA REFUTABILIDADE COMO CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO CIENTÍFICA EM KARL POPPER
Na epistemologia contemporânea, podemos enfatizar a importância vital do Círculo de Viena para a ciência e seus novos paradigmas. O mesmo foi formado na década de 1920 por cientistas de diversas áreas de investigação, tais como Moritz Schilick , Rudolf Carnap, Otto Neurath , entre outros.
Essa comunidade científica fundamentou e desenvolveu o neopositivismo, também denominado positivismo lógico ou empirismo lógico, que propõe um claro e preciso critério de demarcação entre estados de fatos e estados mentais, ou entre fatos empíricos demonstráveis pela verificabilidade e os princípios metafísicos . Em suas investigações acerca do procedimento científico, enfatizavam o critério dos enunciados verifuncionais, isto é, submetidos aos princípios da verificabilidade empírica.

Karl Popper (1902-1994), físico, matemático e filósofo da ciência, aproxima-se desta perspectiva científica do Círculo de Viena, mas "correndo por fora" e superando criticamente os pressupostos que determinam o seu princípio de demarcação e o seu princípio de indução a partir de uma defesa de novo paradigma denominado de "dedutivismo em oposição ao 'indutivismo'" :
Segundo Popper, a recusa da Lógica Indutiva consiste, dc acordo com suas próprias palavras, "em ela não proporcionar conveniente sinal diferenciador do caráter empírico, não-metafísico, de um sistema teorético; em outras palavras, consiste em ela não proporcionar adequado 'critério de demarcação""3 .
Popper criticou o critério da verificabilidade do indutivismo empirista do positivismo lógico do Círculo de Viena4 e propôs, como possibilidade para o saber científico, o critério da não-refutabilidade ou da falseabilidade.
Contudo, só reconhecerei um sistema enquanto empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado como critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema.3
De acordo com esta visão popperiana, o critério de demarcação entre ciência e não ciência reside no fato da teoria se submeter à condição de poder ser refutada.
Isto é, uma teoria mantém-se verdadeira até que seja possível refutá-la pela experiência empírica, visto que, para Popper, do ponto de vista lógico, não é nada óbvio que se justifique inferir proposições universais de assertivas singulares, por mais numerosas que sejam as evidencias práticas. "Independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos."6
Com esta afirmação acima, Popper indicou a condição transitória da validade de uma teoria. Determinado sistema científico é válido até o momento em que é refutado, mostrando-se sua falsidade. Isto eqüivale a dizer que, para Popper, somente a refutabilidade de uma teoria pode ser provada, mas nunca a sua veracidade absoluta.
Popper em suas investigações lógicas também destacou que no conhecimento científico a mente não desempenha um papel de tabula rasa como pensavam os empiristas ingleses. Para ele não existe observação pura, pois todas as observações são sempre realizadas à luz de pressupostos e de teorias prévias que o cientista traz consigo. A partir daí, "o trabalho do cientista consiste em elaborar teorias e pô-las à prova."7
Em Popper, a invenção de uma nova teoria ou de um novo sistema científico pressupõe que, em qualquer hipótese, para sua validade, devam ser submetidos à prova em um processo de "reconstrução racional". "Ora, eu sustento que as teorias científicas nunca são inteiramente justificáveis ou verificáveis, mas que, não obstante, são suscetíveis de se verem submetidas à prova."8 Desta forma, a objetividade dos enunciados científicos reside na condição deles poderem ser submetidos a teste.
Este processo de construção de uma nova teoria ou sistema científico inicia-se com uma comparação lógica entre as conclusões obtidas pela teoria construída, buscando uma coerência interna do sistema. O segundo momento da prova é da investigação lógica da teoria para verificar se ela apresenta o caráter de uma teoria empírica ou científica. O terceiro momento é o do confronto com outras teorias, com o objetivo de determinar se a teoria construída representa um avanço de ordem científica. Finalmente, "há a comprovação da teoria por meio de aplicações empíricas das conclusões que dela se possam deduzir."9
Por fim, na concepção epistemológica popperiana o jogo da Ciência é, em princípio, interminável. Uma teoria submetida à prova e tendo suas qualidades comprovadas não se pode superá-la facilmente sem uma "boa razão , " 10 a não ser por outra teoria que resista melhor às provas ou ao falseamento de uma teoria anterior.
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3 A ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS DE THOMAS KUHN
Thomas Kuhn (1922-1996), norte-americano, físico, historiador e filósofo da ciência, desenvolveu sua teoria acerca da história da ciência entendendo-a não como um processo linear e evolutivo, mas como uma sucessão de paradigmas (modelos) que se confrontam entre si. Ele define paradigma como "'modelo ou padrão aceitos".11
Em seu livro A estrutura das revoluções científicas (1962), Kuhn sustenta a tese de que a ciência se desenvolve durante certo tempo a partir da aceitação, por parte da comunidade científica, de um conjunto de teses, pressupostos e categorias que formam um paradigma, ou seja, um conjunto de normas e tradições dentro do qual a ciência se move e se orienta. "Os paradigmas adquirem seu status porque são mais bem sucedidos que seus competidores na resolução de alguns problemas que o grupo de cientistas reconhece como graves."12

Em determinados momentos, porém, essa visão ou paradigma se altera, provocando uma revolução que abre caminho para um novo tipo de desenvolvimento científico. Foi o que se deu na passagem da ciência antiga à ciência moderna, ou ainda, na passagem da física clássica c mecânica para a física quântica.
De acordo com Kuhn, é como se ocorresse uma nova reorientação da visão global, na qual os mesmos dados são inseridos em novas relações científicas.
Nesta nova relação, o objetivo é "apresentar uma nova aplicação do paradigma ou aumentar a precisão de uma aplicação já feita".13
Thomas Kuhn também estabelece uma distinção entre Ciência Normal, que se desenvolve dentro de um certo paradigma, acumulando dados e instrumentos no seu interior, e a Ciência extraordinária, que surge nos momentos de crise do paradigma. Essa ciência questiona e revoluciona os fundamentos e pressupostos da ciência anterior e propõe um novo paradigma.
Desta forma, em Kuhn, as revoluções científicas são aqueles episódios de desenvolvimentos, "nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior."14
Nesse sentido, uma forma de revolução científica, segundo Thomas Kuhn, é o reflexo das revoluções acontecidas na sociedade política. E da mesma forma que as revoluções políticas iniciam-se com um sentimento crescente, a partir de um segmento insatisfeito da comunidade política.
de forma muito semelhante, as revoluções científicas iniciam-se com um sentimento crescente , também seguidamente restrito a uma pequena subdivisão da comunidade científica, de que o paradigma existente deixou de funcionar adequadamente na exploração de um aspecto da natureza, cuja exploração fora anteriormente dirigida pelo paradigma.1 5
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4 CONCLUSÃO
Sensível ao caráter altamente abstrato e especulativo de algumas teorias epistemológicas contemporâneas, Popper rejeita simultaneamente o mito dos dados observacionais de base bem como a lógica indutiva. O critério de demarcação que propõe para separar a ciência da metafísica é o da refutabilidade ou da falsificabilidade. A teoria científica persistirá somente se resistir aos testes propostos pelo critério apontado acima.
Já Thomas Kuhn estabelece como critério para a validação de um sistema científico a aplicabilidade do paradigma aceito na resolução dos problemas graves na ciência, e sua superação vai se dar na revolução científica que outro paradigma construído pode possibilitar.
Em Popper, é importante acentuar que pelo critério da refutabilidade uma decisão positiva só pode proporcionar alicerce temporário à teoria científica, pois neste processo de refutabilidade as subseqüentes decisões negativas sempre poderão constituir-se em motivo para rejeitá-la. E, na medida em que tal teoria científica resista a provas criteriosas e severas e não seja suplantada por outra, no curso do progresso científico, ela permanecerá válida e comprovará sua qualidade.
Thomas Kuhn se contrapôs à teoria de Karl Popper, no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência, ao negar que o progresso do conhecimento epistemológico tenha se dado a partir do critério estabelecido pelo ideal da refutação.
Para Kuhn, a Ciência progride pela tradição intelectual representada pelo paradigma, que é um modelo e visão de mundo comunicada por uma teoria ou sistema científico.
Nas fases da Ciência normal, o paradigma, por exemplo, o newtoniano, serve para auxiliar os cientistas na resolução dos seus problemas, e o avanço da ciência se efetiva nas descobertas acumuladas. Porém, há situações privilegiadas, de crises paradigmáticas; e isto ocorre quando o paradigma aceito já não r e s o l v e uma série de anomalias acumuladas. Revoluções científicas e paradigmáticas, neste sentido, foram operadas na história por Copérnico, Newton, Darwin, Einstein e Heisenberg.
A proximidade entre Popper e Kuhn está no fato de admitirem um desenvolvimento possível para o conhecimento epistemológico da realidade. No entanto, os princípios de superação e revolução das teorias científicas e paradigmas existentes se diferenciem quanto ao aspecto referente ao critério de demarcação entre as ciências empíricas e a metafísica. Também podemos observar uma divergência no que diz respeito ao princípio da crítica e da forma de superação dos enunciados epistemológicos vigentes.
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Notas:
1. Mestre em Filosofia (UFPB). Professor de Filosofia e Ética Profissional nos Cursos de Administração e Marketing da FARN. F-mail ramosneves@bol.com.br
2. Popper Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix. 1993. p. 31.
3. Ibid.. p. 34 -35.
4. Segundo Popper '"Os velhos positivistas só desejavam admitir como científicos ou legítimos os conceitos (ou
noções, ou idéias) que. como diziam.' derivassem da experiência"". Ibid.. p. 35
5. Ibid., p. 42.
6. Ibid., p. 28.
7. Ibid., p. 31.
8. Ibid., p. 46.
9. Ibid., p. 33.
10. Ibid., p. 56.
11. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 5ed. São Paulo: Perspectiva, 1998.p. 43.
12. Ibid., p. 44.
13. Ibid., p. 51.
14. Ibid.. p. 125
15. Ibid.. p. 126.
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REFERÊNCIAS
KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 5. ed. São Paulo: Perspectiva,
1998.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1993.
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3 Comentários:

Blogger Unknown disse...

Muito bom o post
Tenho que fazer um seminário sobre
Thomas Kuhn, e deu pra entender melhor seus
paradigmas.
Estudo Física.
Ate.

6 de maio de 2011 às 17:57  
Blogger Olá, tudo bem? disse...

Excelente,
estou preparando um material sobre a teoria normativa e preciso estabelecer a diferença entre a lógica de Kuhn em contraponto pressupostos de Karl Popper quanto visão das teorias científicas.

2 de junho de 2013 às 17:19  
Blogger Cuco disse...

Muito boa e clara a sintese. Deu para perceber a concepção epistemológica dos dois pensadores. Obrigado e parabens. Se poder abordara questão do holismo metodológico de kuhn melhor seria.

30 de junho de 2019 às 17:46  

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